quarta-feira, 21 de agosto de 2013

CRUZ HISTÓRICA DA IGREJA DE SÃO MIGUEL DAS MISSÕES JESUÍTICAS É ENCONTRADA EM CAMAQUÃ ,EM UMA PRAÇA.


Da arte espanhola de trabalhar com ferro surgiu uma cruz que ocupou o campanário da Igreja de São Miguel das Missões, edificada no século 18. Trata-se de um objeto dado como perdido por historiadores e arqueólogos e que, talvez, agora tenha reaparecido. Estamos falando de um artefato de 26,4 quilos encontrado em Camaquã, na região sul do Estado.
O renascimento da cruz que seria de São Miguel se deve a Édison Hüttner, doutor em teologia e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Arte Sacra Jesuítico-Guarani da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Em 2010, durante uma visita ao pai, que mora na cidade (distante mais de 600 quilômetros das ruínas missioneiras) e a ajuda do irmão Éder Abreu Hüttner, o artefato enterrado em uma gruta chamou a atenção do pesquisador: era imponente, de ferro, tinha grandes dimensões e escondia um segredo para olhos desatentos — um brasão e a inscrição SPHN. Iniciou-se, ali, um trabalho de pesquisa que duraria quase três anos. Com buscas inclusive em arquivos secretos do Vaticano, ele reconstituiu os possíveis passos daquela que pode ser a mais recente descoberta sobre o único patrimônio da humanidade em solo gaúcho.
—Eu já tinha o olho treinado, vi que não era algo normal — lembra Hüttner.
Ao perceber que a inscrição encravada no ferro era um símbolo do império espanhol, a suspeita ganhou corpo, pois tinha a mesma grafia da época em que jesuítas e índios conviveram na região. Foi uma litografia, uma imagem de 1846, realizada pelo médico pesquisador francês Alfred Demersay, a responsável por revelar a estética da igreja (erguida a partir de 1735) e, também, da cruz.
Sem ela, provavelmente não seria possível saber como era esse símbolo encravado no campanário da torre. Pelo registro, a cruz aparece inclinada, provavelmente devido a um raio, visualmente igual à que estava em uma gruta de Camaquã e foi retirada por Huttner neste ano, em parceria com a prefeitura local.
Para Klaus Hilbert, coordenador do laboratório de arqueologia da PUCRS, o fato de a cruz ter passado quase 200 anos sem ser descoberta se dá pela falta de informação e pelo material.
– É uma coisa de olhar (a cruz) e não entender. A litografia está publicada há muito tempo, mas ninguém deu muita importância para a cruz, porque esses objetos de ferro são recicláveis, eram um bem muito valioso. A cruz não entrou nesse processo justamente pela importância simbólica. É uma parte do tesouro jesuítico — afirma.
Ao medir as proporções da cruz na litografia e calcular o tamanho das ruínas da torre, em São Miguel das Missões, Hüttner obteve mais um indício positivo: além do formato, o tamanho — 2m24cm de altura por 1m11cm de largura — condizia com o registrado por Demersay.
— Neste momento, percebi que tinha fechado tudo. As medidas eram semelhantes, assim como todas outras características — emociona-se Hüttner.
O símbolo de fé foi provavelmente montado por índios, sob supervisão de jesuítas. Como havia uma rota de erva-mate entre a região das Missões e Camaquã, a cruz pode ter sido levada até a cidade por carreteiros. Foi parar dentro da gruta que fica na parte antiga, sob a inscrição "uma graça alcançada". Um símbolo de fé que viajou pelo imaginário de gerações de gaúchos e, se tiver a autenticidade confirmada, pode se tornar mais um patrimônio da humanidade.
Iphan ainda não avaliou a autenticidade do artefato
Para Eduardo Hahn, que assume o cargo de superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no lugar de Ana Meira, ainda será preciso comprovar a autenticidade da cruz por um restaurador do órgão.
— Se comprovada, é uma descoberta importante. A situação será analisada e iremos decidir se há um local apropriado em Camaquã (onde foi registrada como patrimônio do município, há 15 dias). Se não houver, (a cruz) poderá ir para o Museu das Missões, por exemplo — explica.
"Tem tudo para ser ela", diz técnica que fez análise química
A coordenadora do Centro de Microscopia e Microanálise da PUCRS, Berenice Anina Dedavid, analisou amostras da cruz e as comparou com materiais encontrados junto aos fornos da redução de São João Batista. A técnica foi uma microanálise por raio X característico, em um microscópio eletrônico de varredura:
— Tem tudo para ser ela. O material da cruz é semelhante aos elementos químicos dos materiais da região. Além do ferro e do carbono, outros elementos como cálcio e manganês conferem.

MOTIVOS PARA ACREDITAR
Seis indícios levam a crer que a cruz pertencia à Igreja de São Miguel das Missões:
1 — A última imagem de cruz na Igreja de São Miguel é uma litografia de Alfred Demersay, de 1846. A cruz encontrada em Camaquã tem o mesmo formato da vista na imagem ao lado, com os pontos cardeais.
2 — A cruz de Camaquã tem uma marca do império espanhol (a inscrição SPHN), que foi gravada no momento em que o ferro foi forjado. A tipografia é semelhante à da época.
— Há sincronia entre as medidas da torre da Igreja de São Miguel em relação à cruz e à orbe (a "bola" que fica abaixo das cruzes de todas as igrejas). Ou seja: as medidas batem entre a cruz de Camaquã e as imagens da igreja.
4 — A cruz encontrada tem estética de campanário, isto é, daquelas que ficam em topos de torres de igrejas.
5 — Após análises, não houve contradição entre amostras de ferro fundido e aço encontradas na região das missões e o ferro da cruz de Camaquã.
6 — Existiu uma rota comercial, principalmente de erva-mate, entre as regiões de Camaquã e das missões jesuíticas. Por isso, pode-se acreditar que a cruz foi encontrada nas ruínas e levada até Camaquã, onde foi enterrada.
A Prefeitura de camaquã realiza solenidade para apresentar a descoberta.

O objeto sagrado, forjado há cerca de 300 anos e dado como perdido, repousava anônimo numa pequena Praça de Camaquã. Mas o conhecimento e a curiosidade dum doutor em Teologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), nascido em Tapes e criado em Camaquã, desenterrou a peça, símbolo de um dos períodos mais marcantes da formação do Rio Grande do Sul: a colonização pelos padres jesuíticos espanhóis da atual região dos Sete Povos das Missões, habitada à época pelos índios guaranis. Isso foi entre os séculos 17 e 18.
A forma como a Cruz Jesuítica, que ornamentou o topo do campanário do templo da redução de São Miguel das Missões, veio parar em Camaquã ainda é desconhecida e talvez continue para sempre sem uma explicação definitiva. Ao contrário da autenticidade da Cruz, feita em ferro fundido. “É ela”, afirma Édison Hüttner, que além de doutor e professor de Teologia, coordena os estudos sobre Arte Sacra Jesuítico-Guarany da mesma PUC. Foi Hüttner, em uma visita à cidade onde mora a família, que em 2010 teve a atenção chamada pela peça, escondida dentro da gruta cravejada de pedras onde são feitas preces e acendidas velas na Praça Santa Cruz. Ele estava com o irmão Eder, morador de Camaquã e membro do grupo de pesquisas de Arte Jesuítica do Estado.
A apresentação oficial da descoberta foi feita neste sábado (17), no Cine Teatro Coliseu, com a presença dos irmãos Hütner, da coordenadora do Centro de Microscopia da PUC, Berenice Dedavi, da secretária municipal da Cultura, Marla Crespo e do prefeito de Camaquã, João Carlos Machado. A solenidade, aberta e encerrada ao toque e interpretação de canções missioneiras por Luis Otávio Silva, o Faustinho, foi marcada pela empolgação do achado, mas sobretudo pelo respeito à presença no local do símbolo religioso.
“Eu não tenho dúvidas de que Deus tem sido sempre generoso com Camaquã, com nosso povo; assim como não tenho dúvida de que essa Cruz Santa veio parar aqui, há tanto tempo, para abençoar a nossa terra, para nos dar energia”, comentou em tom comedido o prefeito de Camaquã, o qual decidiu, no início deste mês, que a cruz seria registrada em cartório como pertencente ao acervo patrimonial do município.
No seu primeiro contato com a cruz, Hüttner se fixou numa inscrição na sua haste horizontal: em letras cinzas, se lia HSPN. De volta a Porto Alegre pesquisou a sigla e concluiu que as letras eram usadas nos meados do milênio passado para abreviar Espanha (o H é de Hispania em Latim). A informação o fez ter a plena sensação de ter encontrado um tesouro. Mas isso não bastava, era preciso a comprovação. Nas pesquisas de biblioteca e de campo (viagens foram feitas às Missões), até os arquivos secretos do Vaticano foram consultados. Uma litografia (desenho transformado em gravura em óleo) de 1846, assinada pelo francês Alfred Demersay e que mostra a cruz no alto do templo em São Miguel, provavelmente atingida por um raio, foi outro grande passo para confirmação. Em maio deste ano, após apresentar a descoberta à secretária municipal da Cultura e Turismo, Marla Crespo, Hüttner se reuniu com o prefeito, de quem conseguiu a autorização para desenterrar a cruz. Com bom humor, ele lembra as palavras ditas por João Carlos à secretária da Cultura e Turismo: "Façam o que o que tiver que ser feito, o que o professor desejar". Submetida depois a uma precisa medição, se concluiu que as dimensões do objeto de ferro de 2,5m x 1m batiam exatamente com as da litografia.
Além da comparação dimensional, foi retirado da cruz material para análise.  Examinado por um microscópio de varredura do Centro de Microscopia e Microanálise da PUC, se teve a certeza que o material é o mesmo encontrado nas peças fundidas nos fornos da Redução de São João, onde um padre alemão utilizava a técnica da forja trazida da Europa. “São os mesmos elementos”, sentencia a professora Berenice Dedavi, que coordenou o serviço.  
Ciclo da erva mate
Sobre como a peça veio parar na praça do Bairro Centenário, o professor que estudou e transformou em livro a vida do padre Hildebrando de Freitas Pedroso, primeiro pároco de Camaquã entre 1856 e 1861, tem uma forte confiança que isso tenha a ver com o ciclo da erva mate dos séculos 18 e 19. A região de Camaquã era forte produtora da erva, que se constituía na principal fonte de tributos de Camaquã e da região à época. “Talvez numas dessas viagens algum transportador daqui tenha a achado em meios às ruínas ou mesmo comprado e tenha resolvido trazer”, sugere Hüttner. Originalmente, no entanto, a cruz foi instalada num local próximo de onde hoje está – provavelmente onde hoje está a caixa d’água da Corsan ou no terreno onde se localiza um tradicional açougue.do bairro “É fato que quem a colocou ali sabia do seu valor religioso”, diz o pesquisar, que já tinha achado na década passada dois anjos feitos de arenito em Passo Fundo. As peças eram também da Igreja de São Miguel. A Cruz de Camaquã deve ter sido colocada na gruta onde está em 1959, quando foi fundada a Praça Santa Cruz.
Peregrinação
Em sua fala, na solenidade de sábado, Marla Crespo falou que a descoberta se constitui num valioso presente de aniversário de Camaquã, que em 2014 completa 150 anos de fundação. Ela comentou que os próximos passos agora serão o de levar o assunto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural Nacional (Iphan) para que seja atestada oficialmente a sua autenticidade. Paralelamente, o governo municipal começa a estudar um local para que a cruz, agora guardada em local seguro do município, seja instalada e visitada. Pela importância do símbolo, o prefeito acredita que haverá grande procura de camaquenses e de turistas à cruz assim que ela esteja num local público e definido.    
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O que é?
Cruz Missioneira – umas das duas de ferro feitas (ou trazidas) pelos padres jesuítas no Rio Grande do Sul entre os séculos 17 e 18.
As Missões Jesuíticas
Entre 1550 e 1750, cerca de 1milhão de indígenas viveram sob a orientação dos Padres Jesuítas. Além da convivência fraterna, trabalho comunitário e divisão de bens, eles viveram a experiência da evangelização, o aprendizado de artes e ofício, a prática da agricultura e pecuária e outros.
A Redução de São Miguel das Missões (ou do Arcanjo)
Em 1697 a Redução (ou povoado) de São Miguel foi dividida, indo 2.832 pessoas fundar a redução de São João Batista. Em 1707 possuía 3.110 habitantes. A igreja em que estava a cruz foi obra do padre João Batista Primoli, que de 1735 a 1744 a levantou empregando somente operários indígenas.

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